Tribunal de 1ª e 2ª instância do séc. 20, instalado num antigo espaço colegial de fundação quinhentista, alterado e transformado, no final do século 19, para residência palaciana pertencente ao Iº Conde do Ameal (João Maria Correia Aires de Campos (1847-1920)). COLÉGIO DE S. TOMÁS: o colégio de S. Tomás comporta características comuns a outros colégios universitários que se instalaram na R. da Sofia, durante o século 16, estabelecendo-se em edifícios que tomam o recinto claustral como centro polarizador em torno do qual organizam o espaço arquitectónico e o "corpo colectivo vivo". Na sua dupla valência, o "claustro comporta-se, portanto, como expressão de uma cadeia evolutiva de natureza formal, ao mesmo tempo que reflecte as necessidades e as mundividências daqueles para quem fora sucessivamente sendo construído" (HORTA CORREIA, p.273). De origem mediterrânica (muçulmana e cristã), o claustro assume, na Idade Média, o carácter de jardim fechado ou horto, simbolicamente conotado com o jardim paradisíaco da tradição bíblica, comportando igualmente funções de cunho utilitário (para cultivo de plantas e horticultura), de recreio e de lazer. Durante os séculos XV e XVI o recinto claustral contrai uma feição humanista, formalizando uma nova tipologia, de configuração quadrangular e duplo andar, dotado de três tramos separados por contrafortes e preenchidos por um sistema de arcaria geminada (ao nível do piso inferior) e vãos de verga recta (ao nível do piso superior), que poderá ter afinidade com o modelo de Santa Maria de la Pace, delineado por Bramante (cf. HORTA CORREIA, p.275). Os espaços claustrais dos colégios renascentistas da R. da Sofia, em que se enquadra o de S. Tomás, formalizam um conjunto tipológico homogéneo, que resultou de uma evolução tecnológica e estilística delineada pelo mesmo autor, Diogo de Castilho, para específica adaptação às necessidades da Universidade Reformada. Dita evolução constou essencialmente da concepção de um sistema de coberturas abobadadas, nas galerias inferiores do claustro, e na aplicação da gramática jónica na decoração dos capitéis, que, de acordo com a tratadística quinhentista, era particularmente adequada a edifícios destinados aos "homens das letras" (cf. HORTA CORREIA, p.281). No Colégio de S. Tomás o claustro subsiste como o único elemento persistente ao longo das sucessivas transformações a que o edifício esteve sujeito, tendo sido, já no início do século 20, princípio fundamental para a estruturação da solução preconizada para o Palácio da Justiça. PALÁCIO DA JUSTIÇA: a solução equacionada para o equipamento judicial, entre 1928 e 1934, foi estruturada segundo o modelo da arquitectura judicial francesa oitocentista, de planta quadrangular, simétrica, integrada no ideário do classicismo europeu do século 19. O modelo judicial francês de "Templo Judicial", que funcionou como suporte da proposta do Palácio da Justiça de Coimbra, surgiu em Rennes, na Bretanha, no final do séc.17. Trata-se de um edifício paradigmático que teve uma influência determinante na estruturação formal e conceptual da arquitectura judicial ao longo de todo o séc. 19, difundido internacionalmente e só renovado a partir da década de 60 do séc.20. Este modelo desenvolve-se numa planta de base quadrangular, aberta ao centro por um claustro, em torno do qual se dispõem simetricamente os vários serviços. Os eixos de simetria são fixados quer horizontalmente em planta, quer verticalmente nas fachadas principais e laterais, com o intuito de sugerir jogos de equilíbrio e rigor associados ao sistema judicial. O gosto pronunciado pela simetria verifica-se igualmente na sala de audiências, espaço por excelência em torno do qual gravita toda a organização do espaço judiciário. Estas disposições foram tratadas em numerosos textos teóricos, onde se procurava idealizar um "Templo Judicial", ligado ao culto da "divindade" (a Justiça) e, deste modo, associada à imagem dos templos da cultura helénica. Se a figura do quadrado e a multiplicação dos eixos de simetria asseguravam, simbolicamente, o sentido de igualdade e equilíbrio da Justiça, o recurso à gramática neoclássica, com particular recurso à ordem coríntia - que pela sua feminilidade encarnava a própria imagem da Justiça - imprimiam ao edifício os pressupostos de distância, monumentalidade, celebração e ritualização requeridos para o espaço judiciário durante o período do Estado Novo. Corolário das reformas judiciais instauradas pelo Ministério da Justiça, durante a Ditadura Militar e início do Estado Novo, o Palácio da Justiça de Coimbra surge, no contexto da arquitectura judicial portuguesa do século 20, como uma obra paradigmática: quer por se tratar da primeira edificação do género; quer por se ter constituído exemplo modelar para as futuras estruturas judiciais, formulando novas circunstâncias tipológicas e princípios ordenadores do espaço. Entre estes, importa sublinhar: os princípios de hierarquização e ritualização do espaço; a concepção funcional da planta, na sua simetria, articulação programática e configuração quadrangular, por exemplo; o sentido celebrativo e simbólico dos edifícios que, embora maioritariamente enquadrados num discurso de cariz modernista, permaneceram ligados ao ideário classicista; a ideia de centralização dos serviços; e a proposta de unificação das artes no espaço judicial. Esta obra reveste-se de grande significado, tendo funcionado como momento fundador de um discurso arquitectónico, centrado na especificidade do programa judicial, que se desenvolveu sem grandes rupturas até à década de 70 do século XX. A expressão "Palácio de Justiça", de raiz francesa, foi importada no contexto do regime constitucional, correspondendo a uma nova concepção de carácter ideológico dos modelos políticos e do princípio de separação dos poderes. Em Portugal, esta designação remonta ao século XIX, correspondendo nessa data apenas aos tribunais superiores de Lisboa e Porto, mas só será generalizada a partir do ministério de Cavaleiro Ferreira que passa a utilizar esta denominação para os Tribunais de 1ª instância. Trata-se essencialmente de uma expressão especificamente associada ao edifício judicial, cujo programa comporte um ou mais tribunais judiciais e vários serviços afectos ao Ministério da Justiça. Por vezes os edifícios judiciais são assinalados com a inscrição lapidar Domus Ivstitiae - expressão latina de "Casa da Justiça" -, que pressupõe algum distanciamento e carácter celebrativo. Consiste, no entanto, num termo apenas referencial, que foi aplicado pela primeira vez em 1934 no Palácio da Justiça de Coimbra, e alargado a partir do ministério de Cavaleiro Ferreira (1944-1957) aos tribunais de comarca, mas sem entrar no vocabulário de uso corrente.
Observações
*dados obtidos a partir do Inquérito do RIAP (Recenseamento dos Imóveis da Administração Pública) de 2006. Neste inquérito a área útil foi deduzida por aproximação, sendo calculada em função de uma percentagem (70%) da área bruta.