Componente urbano. Espaço urbano de confluência. Praça. Enquadra-se genericamente na tipologia urbana das "praças reais" cujo paradigma é a antiga "Place Royale" francesa (actual "Place des Vosges", Paris, 1604-1612). Esta constitui a cabeça de série de um modelo que a Europa das capitais glosou durante os séculos XVII e XVIII e cujos elementos essenciais são a arquitectura de programa e a estátua do rei. Trata-se de um espaço claramente representativo da ideologia do poder. A arquitectura padronizada é desenhada tendo em conta a definição do espaço "vazio" da praça, que é "preenchido" pelo rei, representado em efígie na estátua. No caso de Lisboa, esta situação é ainda reforçada pela presença do Arco do Triunfo que enquadra cenograficamente a estátua conectando-a ao resto da cidade. A relação com o Tejo também é significativa pois acrescenta um importante enquadramento paisagístico que é incluído no desenho da praça, voltada para o rio, em forma de U. Em termos de tipologia arquitectónica, a Pr. do Comércio tem um tratamento especial relativamente ao conjunto da Baixa Pombalina (v.PT031106190103). A utilização dos arcos e galerias foram decididos em exclusivo para aquela área, assim como o revestimento em pedra dos torreões impõe um leitura diferenciada e intencionalmente nobilitada do espaço. Nos edifícios surgem três tipologias de grades, a mais antiga com as faixas ornadas por florões, com bandeira composta por varões em leque; a segunda com faixas compostas por varas enroladas e contracurvas, surgindo, nas bandeiras, varões em leque intercalados por enrolamentos; a terceira elabora a anterior, com painéis de grandes dimensões e bandeira com cartela com letras e enrolamentos; a quarta tem faixas com círculos alternando com losangos, surgindo, nas bandeiras, com varões verticais cruzados por faixa. Um dos dados essenciais da definição da Pr. do Comércio é a sua composição pensada, deliberadamente, como espaço significante. Trata-se da porta simbólica da nova Lisboa, que se pretendia que fosse vista na sua dupla novidade: a da cidade como um todo, que se reerguia após a catástrofe e a da praça em si, que renovava o antigo Terreiro do Paço e o transformava na Real Praça do Comércio. Nesta nova denominação incluía-se a evocação da "place royale" de onde deriva o seu modelo formal (e ideológico), e o elogio do Comércio ao qual se associava a reconstrução da cidade, tornando-a no espaço emblemático tanto do poder iluminista como da burguesia mercantil. Mas a Pr. do Comércio é sobretudo o espaço onde se buscou com maior evidência uma imagem de síntese do projecto de renovação da cidade, tanto no discurso iluminista da cidade que é renovada pela razão, como na evocação da memória da cidade perdida com o terremoto. Não é à toa que as cerimónias de inauguração da estátua equestre tenham sido realizadas como uma inauguração simbólica da reconstrução, embora nem sequer a própria praça estivesse concluída na altura. A invocação do todo urbano também se faz pela memória da cidade destruída que ali se faz presente de várias maneiras. A forma da praça reinvoca, rectificando-o, o antigo Terreiro do Paço. Os arcos retomam a ideia das arcadas da R. Nova dos Ferros onde se reuniam os comerciantes e ao mesmo tempo fazem lembrar as portas da antiga muralha. E, em especial os torreões evocam, numa espécie de citação duplicada, o dito "torreão de Terzi" que constituía o elemento principal do paço da Ribeira e que tinha grande peso no imaginário urbano de Lisboa. A "citação" arquitectónica incorpora inclusivamente a alternância clássica de frontões curvos e rectos nas janelas dos torreões. Mais ainda, toda a praça faz-se ladear pelas estruturas renovadas do Arsenal e da Alfândega, que desde as reformas manuelinas faziam parte do mesmo conjunto ribeirinho, e que remetem para o papel fundamental de Lisboa como capital de um império ligado ao mar.
A Praça do Comércio define-se estruturalmente por um rectângulo (c. 177 m. x 192,5 m.) limitado por 3 alas dispostas em U com abertura a S. voltada para o rio onde se colocou um pequeno cais de acesso com escadaria em pedra. Um arco triunfal marca o centro da ala N. (na saída da R. Augusta) e dois torreões quadrados marcam as extremidades S. das alas E. e O. No centro geométrico de um triângulo equilátero, cujos vértices se localizam no eixo do Arco da Rua Augusta e nos eixos da portadas laterais dos dois torreões, encontra-se a Estátua Equestre de D. José, parte integrante da tipologia da praça e que remete para o modelo formal das "places royales". Cada uma das alas apresenta alçados de dois andares (que internamente dividem-se em andar e mezzanino). O rés-do-chão, em arcaria de pedra, corresponde a galerias com abóbadas de aresta e o primeiro andar é de alvenaria. Os alçados são constituídos por elementos modulares simples: arcadas em arco de volta inteira, descarregando sobre pilares de secção quadrada, encimadas a eixo por janelão rectangular com sacada de ferro, sobrepujado por vão quadrangular separado por uma cornija, ambos com emolduramentos de cantaria de pedra sem ornamentação. O remate da cobertura faz-se com cornija contínua, com gárgulas zoormórficas a intervalos regulares, sobre a qual assenta uma platibanda composta por módulos lisos intercalados com balaústres. Os alçados finalizam em cunhais de cantaria com pilastra dupla, encimados por acrotérios. No interior das galerias e no eixo das arcadas dispõem-se portas de madeira emolduradas por cantaria e em vários casos encimadas por janelas ou bandeiras de verga curva. Os torreões compõem-se de três pisos separados por frisos. Os alçados são integralmente revestidos de pedra, rusticada no rés-do-chão e lisa nos dois superiores, onde a fenestração, separada por pilastras, alterna (nos dois sentidos) vãos encimados por frontões curvos e triangulares. No rés-do-chão, um portão de verga recta ladeado por colunas e encimado por sacada saliente marca o centro dos alçados voltados para a praça e para o rio. Cornija e platibanda similares às do resto das alas rematam a cobertura dos torreões, tendo estes nas extremidades pequenos grupos escultóricos (representando troféus). ARCO DA RUA AUGUSTA É formado por três corpos integralmente revestidos de cantaria, sendo o central mais elevado e vazado por um arco de volta perfeita cujo fecho do vão se encontra acima do nível das platibandas. Na fachada S. vê-se sobre o arco um relevo figurando o escudo real ladeado por palmas, encimado por um grupo escultórico formado por três figuras que representam a glória coroando o génio e o valor. Uma inscrição em latim composta por letras de ferro completa o conjunto: VIRTVTIBVS MAIORVM VT. SIT OMNIBVS. DOCVMENTO P(ECVNIA). P(VBLICA). D(ATVM). Tradução: " À virtude dos antepassados para ser exemplos para todos.Oferecido por subscrição pública". Os dois corpos laterais fazem a transição para as alas contíguas e integram na sua composição as arcadas e janelas destas. Ainda na fachada S., o corpo central é precedido por dois pares de colunas com os respectivos entablamentos que ladeiam o vão do arco, sobre os quais se vêem esculturas de corpo inteiro representando Vasco da Gama e o Marquês de Pombal. Entre o corpo central e os laterais interpõem-se outras duas colunas também encimadas por estátuas, representando Viriato e Nuno Álvares Pereira e por trás destas, sobre a platibanda dos corpos laterais, representam-se os rios Tejo e Douro reclinados sobre aletas. No alçado N. aparece um relógio em posição similar ao escudo real. ESTÁTUA EQUESTRE DE D. JOSÉ I O conjunto escultórico, obra do escultor Joaquim Machado de Castro, é formado pela escultura em ferro fundido colocada sobre pedestal em forma de paralelepípedo terminado em dois meio-cilindros (desenho de Reinaldo Manuel dos Santos), revestido em pedra com molduras decorativas e ladeado por grupos escultóricos em pedra. O grupo lateral direito representa a "Fama", conduzindo um elefante que derruba um escravo e o esquerdo, o "Triunfo", conduzindo um cavalo que avança sobre os despojos da guerra. Na face S. do pedestal encontra-se um escudo com as armas reais e sob este um medalhão em bronze com o busto em baixo-relevo do marquês de Pombal. Na face N. encontra-se um baixo-relevo alegórico que representa a generosidade régia erguendo-se do trono para socorrer a cidade em ruínas, sendo auxiliada pelo governo da república, que lhe apresenta o amor da virtude, pelo comércio, que lhe depõe as suas riquezas, e pela arquitectura que mostra os planos da nova cidade enquanto a providência humana vela pela execução. O conjunto escultórico está cercado por gradeamento de ferro com pilares em pedra.
Materiais
Pedra: cantarias de calcário (das pedreiras da Quinta da Alagoa e da Quinta Velha, próximo de São Domingos de Rana), mármore; alvenaria mista rebocada e pintada; Cerâmica: tijolo, telha; Metal: ferro fundido, bronze; Madeira: pinho, castanho, souto e do Brasil; betão, vidro.
Observações
*1 - Inclui, além da freguesia da Madalena, a de S. Julião.