Farol construído em 1528, por iniciativa do abade comendatário do couto de São João da Foz, e com projeto do seu arquiteto, Francisco de Cremona, tipo torre quadrangular, em cantaria, integrando no interior oratório, constituindo o farol mais antigo edificado, de raiz, em Portugal, e um dos mais antigos na Europa, ainda subsistentes. Implantava-se sobre um afloramento rochoso avançado no rio Douro, onde deveria haver fogos noturnos para orientar as embarcações que entravam na barra, fazendo parte de um projeto mais vasto de apoio à navegação, levado a cabo pelo comendador D. Miguel da Silva que, em 1536, manda construir um templete circular, albergando a estátua representando Portumnus, o deus romano dos portos, a meio da foz, e quatro colunas assinalando os rochedos perigosos. O farol apresenta as fachadas com alto soco maciço, parcialmente encoberto pela construção oitocentista do molhe envolvente, terminadas em friso e cornija, com a fachada principal virada a terra, rasgada por porta de verga reta e as laterais por janelas de peitoril, conversadeiras, todas com as molduras percorridos por frisos, as janelas encimadas por cornija reta, tendo várias memórias alusivas à construção e lemas inscritas, em grandes lápides, ou nos frisos do remate. No interior, de espaço reduzido e paredes inclinadas para o topo, possuía oratório na parede testeira, formado por três nichos, com abóbadas em concha, possivelmente albergando as imagens de São Miguel, homónimo de D. Miguel da Silva, entre as de São João Batista, o orago da Paróquia da Foz, e a de São Bento, patrono do Mosteiro de Santo Tirso (BARROCA: 2001, p. 45), e, na espessura da caixa murária, escada de caracol para a zona superior do farol, onde se acendia a luz. Na primeira metade do século 17, com a construção do facho no Monte de Nossa Senhora da Luz, o Farol de São Miguel-o-Anjo é desativado, passando a funcionar essencialmente como capela, altura em que se deve ter construído a cúpula facetada sobre a torre, semelhante à existente sobre a capela-mor da Igreja de São João da Foz, templo também do arquiteto Francisco Cremona. Nas Memórias Paroquiais de 1758 e no manuscrito existente na Biblioteca Nacional, possivelmente do séc. 18, a torre é então referida como capela, tendo um retábulo "à moderna", com imagem de Nossa Senhora da Encarnação, ao centro, e a antiga de São Miguel, com cobertura oitavada, rodeada por balaústres, e com a porta acedida por alguns degraus e ladeado por um púlpito de pedra, ao que parece, precedida por terreiro quadrado, delimitado por parapeito, do qual ainda subsistem alguns vestígios. Segundo Mário Barroca, as inscrições ainda existentes na Capela de São Miguel-o-Anjo *3, bem como a memória sepulcral que D. Miguel da Silva encomendara para o túmulo do conde D. Martim Gil de Sousa e de sua mulher, D. Violante Sanches, no Mosteiro de Santo Tirso (v. IPA.00005145), em 1529, e as inscrições da Capela de São Bartolomeu, também em Santo Tirso (v. IPA.00033653), que o prelado mandara construir, constam entre o reduzido número de inscrições e os "mais precoces exemplos portugueses de utilização do alfabeto capital, de inspiração clássica" numa época em que o panorama epigráfico nacional "continuava dominado pelo alfabeto gótico minúsculo anguloso" (BARROCA: 2001, p. 27). Além disso, segundo o mesmo estudioso, o formulário e a paginação da lápide da Capela de São Bartolomeu são muito semelhantes aos da desaparecida inscrição do oratório do Farol de São Miguel-o-Anjo, o que revela que as inscrições mandadas colocar por D. Miguel da Silva devem ter tido um único autor do texto e da ordinatio, possivelmente o próprio prelado (BARROCA: 2001, p. 28). No início da segunda metade do séc. 19, constroem-se adossados ao farol, a norte, torre para instalação das comunicações telegráficas e de sinais óticos, com fachadas de três registos, revestidas a azulejos em relevo, e, a poente, o edifício dos Pilotos da Barra do Douro que, por terra, guiavam os navios, com fachadas de um piso e fenestração retilínea, ambos de apoio à navegação na zona da Foz.
Planta composta por três corpos, volumetricamente articulados: o farol, a torre semafórica, adossada à fachada norte deste, e o antigo edifício da Corporação dos Pilotos da Barra do Douro, adossada a poente. FAROL-CAPELA de planta quadrangular, coberta por domo, de oito faces, caiada, circundada por parapeito, protegido por guarda em ferro. Apresenta as fachadas em cantaria de granito, com alto soco, parcialmente encoberto pelo alteamento do terreno e a construção do cais, rematado em cornija, e as fachadas terminadas em alto friso e cornija. A fachada principal surge virada a norte, estando atualmente encoberta pela torre semafórica, pela qual se acede ao seu interior, por meio de porta de verga reta, percorrida por frisos, precedida de vários degraus. As fachadas laterais possuem no friso do entablamento grandes caracteres inscritos e são rasgadas por janela retilínea, a da lateral direita visível a partir do espaço museológico criado na zona conquistada ao edifício adossado a poente; possuem moldura percorrida por frisos, parapeito saliente e são encimadas por cornija reta e por lápide inscrita. A fachada posterior, a sul, é cega e tem grande lápide com inscrição latina. INTERIOR de espaço quadrangular reduzido, com as paredes inclinadas no topo, pavimento em lajes de cantaria, dispostas em esquadria, e cobertura em cúpula octogonal, assente em cornija. Ladeando a porta, do lado do Evangelho, na espessura da caixa murária, desenvolve-se escada de caracol para a zona superior do farol, onde se acendia o facho, estando atualmente entaipada. A janela do lado da Epístola conserva as conversadeiras. Na parede testeira possui três nichos, interiormente curvos e com abóbadas em concha, sendo o central maior e com vão até ao pavimento. TORRE SEMAFÓRICA de planta quadrangular e cobertura plana em terraço. Possui fachadas de três pisos, revestidas a azulejos de padrão em relevo, policromo, com cunhais de cantaria, e remate em friso, ritmado por argolas de ferro, cornija e platibanda plena, de cantaria. A fachada principal surge virada a norte, rasgada por dois eixos de vãos, moldurados a cantaria, correspondendo a portas de verga reta, no térreo, e a janelas de peitoril, com moldura formanda falsos brincos retos, nos superiores. Na fachada lateral esquerda rasgam-se três janelas semelhantes, na lateral direita uma, no terceiro piso, e, na posterior, porta de verga reta, ao nível do remate do farol, a partir do qual se desenvolve escada para o terraço, com guarda em ferro. EDIFÍCIO DA CORPORAÇÃO DOS PILOTOS DA BARRA DO DOURO de planta retangular e cobertura em terraço. Fachadas de um piso, rebocadas e pintadas de branco, com soco de cantaria, cunhais apilastrados e remate em friso, cornija e platibanda plena, rebocada e pintada de branco. A fachada principal surge igualmente virada a norte, rasgada por porta central entre quatro janelas de peitoril, retilíneas e molduradas a cantaria, nas janelas formando falsos brincos retos e tendo caixilharia de guilhotina. Na fachada lateral direita e na posterior abrem-se cinco janelas semelhantes. No interior, o espaço encontra-se reorganizado, de modo a criar espaço museológico e de leitura às fachadas principal e lateral esquerda do farol.
Materiais
Estrutura do farol em cantaria de granito aparelhado; torre semafórica revestida a azulejos em relevo; edifício adossado rebocado e pintado de branco; domo do foral, soco, cunhais, frisos, cornijas, platibanda e molduras dos vãos em cantaria de granito; portas e caixilharia de madeira; vidros simples; guardas em ferro.
Observações
*1 - D. Miguel da Silva, segundo filho de D. Diogo da Silva e Meneses, que desempenhou vários cargos na Corte, e de D. Maria de Ayala, nasceu em 1480. Iniciou os seus estudos em Portugal, mas doutorou-se em Paris, passando pelas universidades de Siena e de Bolonha, obtendo assim uma sólida formação humanística. Em 1515, foi nomeado por D. Manuel como embaixador de Portugal no V Concílio de Latrão, permanecendo depois em Roma, até 1525, como representante da Coroa portuguesa junto da Santa Sé. Aí desenvolveu íntima amizade com o papa Leão X, Adriano IV e Clemente VII, e conviveu com os grandes intelectuais e artistas da época, nomeadamente com Leonardo da Vince, Miguel Ângelo, Rafael e Titiciano. Em 1525, D. João III ordena o seu regresso a Portugal, onde chega em finais do mês de julho, com uma pequena comitiva de doze pessoas, nela se incluindo o seu arquiteto privativo, o mestre Francesco, natural de Cremona. O rei nomeia-o escrivão da puridade, comendatário e prior perpétuo do Mosteiro de Landim (v. IPA.00001714) e abade comendatário do Mosteiro de Santo Tirso (v. IPA.00005145). Em 1526, depois da morte de D. Fr. João Chaves, bispo de Viseu, D. Miguel da Silva é eleito bispo da diocese, por bula datada de 21 de novembro, contudo permaneceu sem ser sagrado, durante quase dois anos, pois a 9 de agosto de 1528 ainda não tinha sido ordenado. Dadas as relações tensas e difíceis com o D. João III, D Miguel da Silva acaba por fugir para Roma, em 1540, conseguindo escapar à ordem de prisão. Aí foi nomeado cardial, em 1541, cujo título mudou várias vezes. No ano seguinte, a 23 de janeiro, D. João III desnaturalizou-o, privando-o assim, de todas as rendas do bispado de Viseu e dos demais benefícios que possuía em Portugal. D. Miguel da Silva acaba por morrer em Roma, a 5 de junho de 1556. *2 - A existência de pilotos para guiar os navios na barra do Douro é documentada desde o séc. 15, sendo esse serviço reorganizado pelo concelho em finais do séc. 16. Aliás, em 1619, a Câmara do Porto reconhece que em "tão roim barra, nem os naturaes sabem entrar por ella sem pilotos da terra muito experimentados por resão de muita estreitosa da dita barra e da muyta variedade que cada dia faz com o crescimento e demenuição das aguas do Douro" (in PEREIRA / BARROS: 2000, p. 102). Em março de 1628 é instituído o Regimento dos Pilotos da Barra da Cidade do Porto, elegendo-se as pessoas competentes para o exercício do ofício de piloto da barra, em São João da Foz, com base numa informação prévia (OLIVEIRA: 2005, p. 53). Uma provisão de 1812, transfere a nomeação e a emissão de cartas dos Pilotos da Barra do Porto da Câmara para o Intendente da Marinha, e deste para o Conselho do Almirante, passando assim este serviço tão necessário à navegação a estar sob a tutela do governo central. Ao longo do tempo, a maioria destes pilotos era natural da povoação de São João da Foz. *3 - Por altura da publicação da sua obra sobre as Fortificações do Litoral Portuense, Mário Barroca apenas analisou as inscrições do friso da fachada nascente e a da lápide da fachada sul da torre do farol, uma vez que a cobertura do edifício adossado, em telhado de três águas, ocultava as inscrições existentes na fachada poente do farol. De facto, só muito recentemente, com a alteração da cobertura do edifício para terraço, estas inscrições foram postas a descoberto.