Na senda de um conjunto de recriações que, desde 2011, tem sido levadas a cabo no Município da Murtosa com enorme sucesso, no próximo dia 5 de junho, pelas 16.00h, no largo da Capela de São Gonçalo, na Freguesia do Bunheiro, o Grupo Musical Bunheirense e os Ranchos Folclóricos “Os Camponeses da Beira-Ria” e a “As Andorinhas de São Silvestre”, com o apoio do Município da Murtosa, recriarão o afamado arraial de São Gonçalo, tal como era realizado em meados do século XX.
Pela sua especificidade e cariz pitoresco, o arraial de São Gonçalo apresenta-se com um importante repositório da identidade cultural e etnográfica da Murtosa e da região da Ria. A reconstituição, com indumentária, objetos e usos da época, mostrará os diversos aspetos da festividade, das “novenas” à procissão, passando pela “feira tradicional” e pela emotiva “subida ao mastro”.
Com esta recriação pretende-se resgatar da memória um dos costumes mais peculiares da Terra Marinhoa, expressão sublime de cultura e de religiosidade das gentes da beira-ria, valorizando a especificidade do evento como fator diferenciador, capaz de gerar uma visibilidade e atratividade acrescidas.
Pretende-se, de igual modo, constituir um acervo documental de memória, através do registo do evento, que possa ser usado como ferramenta de divulgação dos usos e costumes Marinhões junto da população mais jovem, que, na sua maioria, desconhece este extraordinário património identitário.
A DEVOÇÃO A SÃO GONÇALO: ENTRE O SAGRADO E PROFANO
A vida das gentes da beira-ria era marcada pelos ciclos agrícolas, pontuados, ao longo do ano, com festas e romarias que, de certa forma, ajudavam a amenizar a dureza do dia-a-dia do trabalho da terra, proporcionando momentos de diversão e de convívio.
As festas eram, também, uma expressão eloquente da fé e da religiosidade das gentes Marinhoas, que depositavam, no divino, a sua confiança e as suas expetativas.
Nas aflições, os marinhões recorriam aos seus santos de devoção: os males da garganta a São Brás, os olhos a Santa Luzia, as febres a S. Paio e os cravos e verrugas a São Gonçalo. Os santos, solícitos à prece dos devotos, livravam-nos das maleitas. Em troca, os penitentes agradeciam a intercessão, cumprindo as promessas que faziam aos santos.
No que a S. Gonçalo dizia respeito, o cumprimento das promessas tinha associada uma ritualidade específica e diferenciadora, que não tinha paralelo na devoção a outros santos, e que misturava, de certa forma, o sagrado e o profano.
As devotas cumpriam a promessa levando uma "novena a S. Gonçalo", um grupo de 9 raparigas e 9 rapazes, normalmente crianças e jovens, que acompanhavam a crente, desde a sua residência, até à capela de S. Gonçalo. Os rapazes levavam, ao ombro, um pinheirinho com uma chouriça pendurada, enquanto que as raparigas levavam, à cabeça, uma pada com cravos espetados. Quem cumpria a promessa ia vestida de forma peculiar, com um robe ou camisa de dormir, levando à cabeça um penico com papas de milho.
Chegados à capela, rezavam o terço em conjunto. Por vezes, associado ao ritual, já de si singular, existia um momento particularmente curioso e até inusitado: a devota retirava-se para um local reservado, normalmente a sacristia, onde, longe dos olhares da multidão, mostrava o traseiro ao santo. Cumprida a promessa, o grupo merendava junto à capela, comendo o pão, a chouriça e as papas que levavam.
Para além da ritualidade, a Romaria de São Gonçalo possuía, como festa popular, alguns elementos que a diferenciavam. Um deles era a "subida ao mastro", que consistia um desafio ou prova para os jovens rapazes. No recinto da festa era colocado uma grande vara de eucalipto, descascada e ensebada, que tinha pendurada no topo uma gaiola com um galo. Quem demonstrasse agilidade suficiente para trepar, mastro acima, e apanhasse a gaiola, ganhava o direito a ficar com o galo e, certamente, a admiração das centenas de pessoas que assistiam ao feito.
Estes aspetos, conjuntamente com a procissão, a feira, e música serão recriados no dia 5 de junho.
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